Em busca de união, oposição no Ceará vive nova crise e incertezas para 2026
Em busca de união, oposição no Ceará vive nova crise e incertezas para 2026
A oposição no Ceará, que buscava pavimentar um caminho de união entre a centro-direita pragmática e as alas bolsonaristas e ciristas para as eleições de 2026, viu sua articulação estremecer diante de uma crise interna deflagrada publicamente.
O racha, que envolveu diretamente a cúpula do Partido Liberal do (PL) e a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro, resultou na suspensão das conversas de aliança com Ciro Gomes, impondo uma incerteza no futuro do bloco que se opõe ao governo de Elmano de Freitas do (PT).
A construção do grupo de oposição contava também com a adesão do União Brasil. O partido, liderado pelo ex-deputado federal Capitão Wagner, tem se mantido à margem do imbróglio. Wagner, inclusive, manifestou que o desejo de união no Ceará deve prevalecer, questionando se lideranças nacionais poderiam interferir no processo local.
O estopim da crise:
A crise foi deflagrada publicamente durante um evento promovido pelo senador Eduardo Girão (Novo) em um hotel na Praia do Futuro, em Fortaleza-CE, para o pré-lançamento da sua candidatura ao Governo do Estado, no último domingo dia 30 de dezembro 2025.
Na ocasião, a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro criticou o deputado federal André Fernandes do (PL) e seus aliados por terem se “precipitado” em articular uma aliança com Ciro Gomes para a disputa eleitoral de 2026. Michelle afirmou que ir contra o ex-presidente era o maior erro da direita.
Em resposta, André Fernandes se defendeu, refutando que estivesse desobedecendo a Jair Bolsonaro. Ele reiterou que a conversa com Ciro teria sido autorizada pelo ex-presidente, incluindo uma reunião onde a entrada de Ciro teria sido “aprovada ou exaltada”.

Antes do recuo oficial do PL, a ala da oposição que apoiava Ciro adotou uma postura de isolamento em relação à Michelle. Ao PontoPoder, o deputado estadual Sargento Reginauro do (União) disse que, caso a decisão fosse dividir o grupo, eles a respeitariam, mas ele não se via dividido e que o caminho seria apoiar Ciro.
O deputado estadual Cláudio Pinho do (PDT), por sua vez, alegou que a movimentação de Michelle Bolsonaro causou um “curto-circuito” na busca pelo palanque único e não estava alinhada com as autoridades que trabalhavam para Ciro Gomes.
Já o deputado estadual Felipe Mota do (União) também criticou a postura de Michelle, considerando que a maior parte do eleitorado de Lula e do PT no estado era de centro-direita e que ela deveria ter conversado mais com o “presidente do partido”.
'Primeiro teste':
A cisão em curso representa o primeiro teste de envolvimento nacional na disputa local, segundo a análise de especialistas.
“Acho que o enquadramento governista esperado é o do fato como um embaralhamento das cartas na oposição,” afirmou o cientista político e professor Emanuel Freitas, observando que a aliança entre oposição antipetista cirista e bolsonarista estremeceu no “primeiro teste” de uma liderança nacional vinda ao Ceará.
De acordo com Freitas, o abalo não separou os dois grupos, mas sim produziu uma rachadura no interior do bolsonarismo.
O racha interno, conforme Freitas, divide o bolsonarismo entre a ala “mais pragmática”, que reconhece não conseguir vencer o PT sem Ciro, e o grupo que acredita ter “espólio eleitoral suficiente para encapar uma candidatura solo, mais pura, vamos dizer assim, do ponto de vista ideológico”.
A consequência imediata foi o PL receber uma “ordem” de Michelle Bolsonaro para suspender as conversas com Ciro Gomes, alegando desconhecimento do acordo e afirmando a postura de “não aceitar qualquer um de fora que é precipitado ou exaltado”.
A socióloga e cientista política Paula Vieira também aponta que o conflito fortalece o grupo governista, mas principalmente no sentido retórico, dando-lhes elementos para utilizar o próprio bolsonarismo como foco de enfrentamento.
No entanto, conforme a estudiosa, para Ciro Gomes, essa “suspensão” das conversas pode ser vantajosa, pois o posiciona como não sendo “tão bolsonarista assim”.
Protagonismo da direita
A disputa pelo futuro político do bolsonarismo no Ceará reflete uma indefinição nacional sobre quem assumirá a liderança na ausência do ex-presidente Jair Bolsonaro preso na Superintendência da Polícia Federal em Brasília, o que intensifica a briga pelo protagonismo na família.
O ex-presidente foi sentenciado a 27 anos de três meses de prisão pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF). Bolsonaro foi condenado por conta da sua participação em cinco crimes, incluindo a tentativa de golpe de Estado que produziu os atos do 8 de janeiro de 2023.
Essa disputa familiar tornou-se pública quando os filhos do ex-presidente criticaram a ex-primeira-dama. O senador Flávio Bolsonaro reprovou a atitude de Michelle como “autoritária” e chamou o ataque a André Fernandes de “injusto e desrespeitoso”.
O vereador do Rio de Janeiro, Carlos Bolsonaro, por sua vez, admitiu preferir a candidatura de Eduardo Girão ao Palácio da Abolição, reforçando a necessidade de respeitar a “liderança do meu pai”.
Michelle, em nota posterior, tentou esclarecer a situação, afirmando que o objetivo era apenas que todos “entendessem e pensassem” e tinham o direito de manifestar suas opiniões.
Crise como reflexo do contexto nacional:
A crise no Ceará é vista por especialistas como um reflexo de dinâmicas maiores, ligadas à sucessão da direita nacional.
Paula Vieira considera que o Ceará é como um “laboratório da disputa nacional”, pois permite visualizar claramente o recorte da direita e da esquerda e suas respectivas hegemonias.
De acordo com Vieira, essa disputa local reflete o conflito nacional e a indefinição sobre quem são as lideranças na “ausência do ex-presidente Jair Bolsonaro,” que está fora do jogo.
Segundo ela, isso é crucial porque a tendência é que a população cearense vote em nomes que representem valores de centro-direita, e não da extrema-direita, que é o nicho representado por figuras como Eduardo Girão e Michelle Bolsonaro.
Ao que discorreu a estudiosa, a postura pode levar aliados de Ciro Gomes, que tinham o PL como destino certo (como os deputados estaduais Antônio Henrique e Lucinildo Frota, ambos no PDT), a buscarem outras legendas, como o PSDB, para se desvincular da marca bolsonarista.

Para a socióloga, o PL está em um processo de transformação de sua estrutura, no qual “o que a gente está assistindo é uma estratégia do PL”. De acordo com Vieira, o partido não tinha um projeto partidário nem estratégias claras para ampliar sua base eleitoral, seus candidatos ao legislativo ou suas lideranças.
A crise deflagrada, conforme o cientista político Emanuel Freitas, permite que o União Brasil tenha uma “folga”, visto que o grupo não precisará, a preço de hoje, “marchar junto com o grupo do PL, do André Fernandes”.
De acordo com Freitas, isso abriria a possibilidade de Ciro Gomes marchar com a centro-direita “menos radicalizada, representada pelo Wagner, pelo Reginauro”, que provavelmente “não deve não ter candidato a presidente”, facilitando o jogo para esses atores políticos.
No entanto, Freitas observa que o caminho natural para o PL é tentar, de fato, a “radicalização levada a cabo pela Michelle”. Caso o pragmatismo vença em torno de Ciro, talvez seja o momento de “alguém desse grupo do Girão constar como vice” para forçar a candidatura a ser uma chapa que peça votos ao bolsonarismo nacionalmente.
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