Idosa mora meses em hospital do Ceará, após deixar casa onde vivia há 34 anos sob suspeita de exploração
Idosa mora meses em hospital do Ceará, após deixar casa onde vivia há 34 anos sob suspeita de exploração
Sem vínculos familiares e com suspeita de ter sido submetida a trabalho doméstico análogo à escravidão por mais de três décadas, uma idosa de 89 anos ficou internada por seis meses em um hospital de Fortaleza-CE, mesmo podendo receber alta. Clinicamente, não havia motivo para ela estar lá, mas o tempo na unidade foi estendido por falta de rede de apoio. Nesta quarta-feira dia 03 de dezembro 2025, a espera teve fim e ela foi transferida para uma Instituições de Longa Permanência para Idosos (ILPI).
Lúcia chegou à instituição que a acolheu por volta das 16 horas desta quarta-feira dia 03 de dezembro 2025, com condição de saúde estável, segundo uma fonte da ILPI ouvida pelo Diário do Nordeste. Em março de 2025, os órgãos da rede de proteção no Ceará foram acionados, após a idosa chegar ao hospital com fraturas decorrentes de uma queda.
Mas o que Lúcia sofreu não foi um acidente. Documentos aos quais a reportagem teve acesso relatam que a idosa caiu após ser empurrada pela patroa, Ana, por se negar a realizar atividades domésticas.
Um relatório produzido em maio pelo Centro de Referência em Direitos Humanos do Estado do Ceará, equipamento vinculado à Secretaria dos Direitos Humanos do Estado (Sedih), descreve que a idosa tem deficiência visual, verbaliza pouco, estava consciente, “algo orientada” e em quadro demencial.
Lúcia "viveu na casa de Ana durante" 34 anos, onde realizou trabalho doméstico em troca de moradia e comida, sem remuneração. Ela já não tinha vínculos com a família biológica e tinha histórico de vivência na rua, conforme relatório social produzido no último mês de novembro 2025 pela equipe de Serviço Social do hospital onde esteve internada.
Os documentos produzidos por ambas as equipes alertaram para os riscos de a paciente permanecer internada e para a necessidade de desospitalização e transferência para uma ILPI, onde “possa ser ofertado cuidados com dignidade, assistência e suporte necessário”.
“Consideramos ainda a importância da celeridade na investigação e apuração dos fatos para uma possível responsabilização trabalhista à empregadora, pois, além do cenário de possível trabalho doméstico análogo à escravidão, a idosa deu entrada no hospital com sintomas de violência física”, ressaltou a equipe da Sedih.
Atendimento hospitalar:
O atendimento médico só ocorreu nove dias depois da agressão sofrida por Lúcia. Esse foi o tempo que levou para um neto da patroa e a esposa dele ficarem sabendo do ocorrido e levarem a idosa para o hospital. Em seguida, o casal procurou uma delegacia especializada, onde foi lavrado um boletim de ocorrência sobre a agressão, e custeou cuidadoras para a idosa durante os meses iniciais da internação, até abril.
O relatório do Centro de Referência em Direitos Humanos cita que a mulher também ofertou a possibilidade de custear a institucionalização da idosa em uma ILPI. “Porém, a autorização da saída não fora permitida pela unidade em decorrência do monitoramento e notificação do hospital aos órgãos de defesa competentes a violação de direito”, diz o documento.
Produzido em maio, o relatório ainda registra que Lúcia estava acamada, sem cuidadores e recebendo apoio de acompanhantes de outras pacientes do quarto.
Foi a partir dessa internação que a situação de Lúcia passou a ser acompanhada por equipes do Serviço Social da unidade hospitalar, do Ministério Público do Ceará (MPCE) e das secretarias dos Direitos Humanos da Prefeitura de Fortaleza e do Governo do Estado, entre outros órgãos. O caso está sendo investigado de forma sigilosa pelo Ministério Público do Trabalho no Ceará (MPT-CE).
Além dessas vulnerabilidades, os documentos apontam que a idosa recebia o Benefício de Prestação Continuada (BPC), um direito constitucional que garante um salário mínimo por mês a pessoas com deficiência de qualquer idade e a idosos, a partir dos 65 anos, de baixa renda. Em fevereiro deste ano 2025, porém, o auxílio foi bloqueado por falta de inscrição no Cadastro Único.
Era a falta de atualização cadastral que estava impossibilitando a transferência de Lúcia para uma ILPI com disponibilidade para acolhimento, segundo despacho do Ministério Público do Ceará emitido nesta quarta-feira dia 03 de dezembro 2025. No documento, o promotor de Justiça determinou a disponibilização de vaga filantrópica à instituição de longa permanência.
Também foi determinado que a equipe do Centro de Apoio Operacional de Defesa da Cidadania (Caocidadania), do MPCE, “proceda imediatamente à orientação e acompanhamento necessários para instrução do processo de curatela provisória, a fim de viabilizar a regularização cadastral e a reativação do BPC da idosa”.
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